Damke News

Por Samuel Dantas

Hoje abordaremos o mercado de energia, vital para o crescimento econômico do Brasil ao sustentar setores industriais e agrícolas. Além de abastecer residências e serviços essenciais, a energia é crucial para a autonomia energética, reduzindo a dependência externa. O desenvolvimento de fontes renováveis destaca o compromisso ambiental e atrai investimentos, impulsionando o progresso socioeconômico.

Nos últimos sete anos, o Brasil se destacou como líder em investimentos internacionais em energias renováveis, recebendo 114,8 bilhões de dólares, conforme relatório da UNCTAD. O custo de energia é essencial para as empresas, influenciando diretamente sua competitividade e lucratividade.

Custos mais baixos promovem eficiência operacional, reduzem os custos de produção e contribuem para a sustentabilidade, tornando as empresas mais atrativas para investidores. Assim, a gestão eficaz do custo de energia é fundamental para impulsionar a produtividade e inovação no setor empresarial brasileiro.

Atualmente, para reduzir custos de energia, uma alternativa viável é optar pelo mercado livre, que passou por evolução significativa. Antes de explorar o tema, é crucial compreender os dois mercados de energia: o cativo (regulado) e o livre.

O Ambiente de Contratação Regulada (ACR), conhecido como Mercado Cativo de Energia, é o cenário tradicional onde a energia é fornecida exclusivamente por uma distribuidora local. Por exemplo, se você estiver no estado de São Paulo, provavelmente será ENEL SP, CPFL ou Elektro. Já no Rio de Janeiro, Light ou ENEL RJ, e em Minas Gerais a CEMIG.

Nesse ambiente, o preço e as condições de fornecimento são regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). No Mercado Cativo, os consumidores finais não têm flexibilidade para negociar, e as tarifas são estabelecidas pelo Agente Regulador durante as Revisões Tarifárias anuais.

O Mercado Livre (ACL) representa um ambiente de contratação onde compradores e vendedores têm a liberdade de negociar energia elétrica entre si. Nesse cenário, eles podem estabelecer os termos da negociação, incluindo preço, prazo e volume de energia contratada, conforme as regulamentações do setor elétrico. Essa flexibilidade possibilita a negociação da quantidade de energia mais adequada ao perfil de consumo do negócio, assim como o período de fornecimento e o preço.

A contratação no ACL passou a ser possível em 7 de julho de 1995, através da Lei 9.074. Naquela época, apenas consumidores de alta-tensão com fornecimento igual ou superior a 69kV e uma demanda contratada de 10.000 kW ou mais tinham a opção de escolher seu fornecedor de energia. Em resumo, o mercado era fortemente limitado a grandes indústrias eletrointensivas.

Posteriormente, em 1999, uma legislação específica diminuiu os limites de acesso para consumidores de alta tensão para 3.000 kW. Durante esse período, os primeiros clientes livres surgiram, notadamente em novembro de 1999, com empresas como Unipar Carbocloro (atualmente UNIP4).

O Ambiente de Contratação Livre (ACL) demorou muito para evoluir e se expandir. Em 2004, de acordo com informações fornecidas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), apenas 34 agentes de consumo estavam cadastrados no Mercado Livre de Energia. Esse número era consideravelmente baixo, especialmente considerando quase uma década de existência do ACL.

O mercado, inicialmente em estágio embrionário e necessitando de aprimoramentos, passou por uma evolução ao longo do tempo. Em 2007, a ANEEL abriu a oportunidade para a comercialização de energia destinada a uma nova classe de consumidores por meio de energia incentivada, proveniente de fontes renováveis como eólica, solar, PCH e biomassa. Isso representou um marco significativo para o Mercado Livre de Energia, possibilitando o acesso de diversos clientes de porte médio, denominados consumidores especiais. Além disso, essa medida impulsionou a construção de empreendimentos de geração por fontes renováveis, que começaram a crescer expressivamente no país.

Resumidamente, o mercado reduzia de fato o seu acesso para o limite mínimo de 3.000 para 500 kW. Esse movimento fez com que em 2008 os primeiros consumidores especiais surgissem na CCEE e, em 2011, ultrapassassem em número de agentes, os Consumidores Livres, demonstrando forte adesão pelas empresas ao Mercado Livre de Energia. O movimento seguiu em constante crescimento nos anos seguintes, até que em 2016 ocorreu uma onda de migração massiva ao Mercado Livre de Energia devido a dois movimentos específicos:

  • Revisão Tarifária Extraordinária de 2015, aumentando todas as tarifas de energia elétrica do Brasil e pressionando os preços do mercado cativo por todo o ciclo tarifário que dura um ano;
  • Queda dos preços de energia em 2016, devido à melhora nos regimes de chuvas e nos níveis dos reservatórios. Como o Brasil depende fortemente da energia hidráulica, o padrão de chuvas exerce uma influência significativa nos preços dessa commodity. Aproveitaram essa oportunidade apenas os consumidores que já haviam aderido ao Mercado Livre.

Em 2017 teve início o debate sobre a abertura do mercado. O ápice dos debates aconteceu na Consulta Pública 33 (CP-33/2017). Essa consulta trouxe muitas visões e colocou luz sobre o tema para que a população e os agentes do setor debatessem a abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores e seus impactos.

O Ministério de Minas e Energia (MME) então criou o grupo de Modernização do Setor Elétrico, destacando a abertura de mercado. Em 2018, a Portaria 514 do MME sinalizou a retirada gradual da reserva para a fonte incentivada, ou seja, e reduziu o limite de acesso do Consumidor Livre de 3.000 kW para 2.000 kW em 2020. Em 2019, a Portaria 465 abordou dois pontos cruciais:

I.            Continuação da retirada da reserva para a fonte incentivada, reduzindo o limite de acesso de 2.000 kW para 500 kW até 2023;

II.            Solicitação para que ANEEL e CCEE conduzissem estudos de mercado para a abertura total do Mercado Livre (Alta, Média e Baixa tensão) e apresentassem os resultados até dezembro de 2022, com a implementação da abertura a partir de 2024.

O tema foi evoluindo nas Consultas Públicas do grupo de Modernização do Setor Elétrico entre os anos de 2019 e 2021, até que em 2022, o MME implementou a Portaria 50/22, com a definição que novas regras serão implementadas a partir de janeiro 2024, ampliando as possibilidades de acesso a esse mercado.

A partir de 01/01/2024, todos os consumidores de alta tensão (Grupo A) poderão optar pelo Mercado Livre de Energia. Anteriormente, apenas unidades consumidoras com demanda contratada superior a 500 kW podiam participar desse modelo de contratação. Na proposta, os consumidores com carga individual inferior a 500 kW serão representados por comercializadoras varejistas perante a CCEE.

Essa abertura amplia o acesso ao Ambiente de Contratação Livre (ACL), proporcionando benefícios e liberdade de escolha a um número maior de consumidores. O Ministério de Minas de Energia estima que, somente com essa abertura, mais de 100 mil unidades consumidoras possam migrar para o Mercado Livre e aproveitar todos os seus benefícios.

No que tange aos benefícios, podemos destacar a sustentabilidade e previsibilidade econômica para as empresas, visto que as partes fixam os preços ou descontos em contrato que costumam ter vigência entre 2 e 5 anos, garantindo os resultados nesse período. Por estar em um mercado competitivo, os preços contratuais sofrem uma redução em comparação as tarifas reguladas pela ANEEL no mercado cativo, gerando redução de custos. Segundo a Abraceel, a tarifa de energia média das distribuidoras no mercado cativo é de R$ 299/MWh, enquanto o preço de longo prazo no mercado livre é de R$ 107/MWh, equivalente a uma economia de 64% no preço da energia.

Além disso, as empresas têm a oportunidade de atingir suas metas de sustentabilidade ao aderir ao mercado livre, onde podem contratar energia proveniente de fontes renováveis, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e construindo uma imagem de marca sustentável junto aos consumidores.

Agora que estamos no fim de 2023, será que a sua empresa pode migrar para o Mercado Livre?

A primeira grande mudança já aprovada, por meio da portaria 50/2022 do MME, trata da abertura parcial de mercado, que torna apta a migrar ao Mercado Livre qualquer unidade consumidora do grupo A, independentemente de sua demanda contratada, a partir de 01/01/2024. Ou seja, basta estar na média ou alta tensão para estar elegível a aderir ao ACL.

E se a sua empresa já estiver no ACL, e está se beneficiando das vantagens desse mercado, saiba que apesar de bem estruturado, o Mercado Livre é um ambiente bastante dinâmico, assim como o setor elétrico, com mudanças contínuas que geram impactos diretos aos seus stakeholders. Com a abertura do mercado de energia, mais agentes estarão expostos aos riscos deste mercado, principalmente o risco do preço da energia, que por sua vez é formado a partir do Preço da Liquidação das Diferenças (PLD).

O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) é o resultado de um cálculo que determina os valores de toda a energia elétrica produzida, mas não foi contratada pelos agentes do mercado. Chegar ao PLD não é uma tarefa simples, já que a maior parte da energia brasileira é gerada por usinas hidrelétricas, e deste modo, o como o Brasil possui uma matriz energética predominantemente hidrotérmica, o risco hidrológico não pode ser negligenciado.

A relação entre a presente disponibilidade de água nos reservatórios e as previsões de chuvas futuras definem o despacho das usinas. Essas previsões são relativas, pois mesmo com a possibilidade de se estimar os índices pluviométricos para o futuro, existe um nível de confiança envolvido.

Portanto, faz-se necessário utilizar o ponto ótimo do uso dos recursos, caso contrário haverá falta de água e o preço da energia pode subir expressivamente, como ocorreu em 2015, 2017 e 2021 – anos de grande escassez hídrica no país.

No meio desse cenário de incertezas, os derivativos surgem como ferramentas importantes para quem busca se proteger da oscilação do preço de um ativo – neste caso o preço da energia, e fazer um hedge. Também podem ser utilizados por empresas que desejarem auferir ganhos com as variações dos preços desta commodity, prática muito comum entre as tradings de energia elétrica.

Os derivativos de energia são contratos financeiros, negociados no Balcão Brasileiro de Energia Elétrica (BBCE), classificados como valor mobiliário, e por isso, regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Podem ser operados por quaisquer agentes do Mercado Livre, seja na figura de gerador, consumidor ou comercializador, e por instituições financeiras.

Os derivativos de energia elétrica negociados na BBCE são puramente financeiros e não estão atrelados à entrega física do produto. Ou seja, as contrapartes que transacionarem operações deste ativo no balcão não estarão de fato negociando a energia elétrica em si. Desta forma, a liquidação deste instrumento financeiro se dará pela diferença entre o preço de mercado e o preço acordado.

Nas próximas semanas abordaremos mais detalhes sobre os derivativos de energia e como eles podem ser úteis nas práticas de hedge contra a oscilação dos preços de energia e geração de ganhos para os agentes do Mercado Livre.

Caso tenha gostado deste conteúdo e deseja tirar alguma dúvida ou trazer alguma demanda da sua empresa, entre em contato conosco no samuel@.

#derivativosenergia #mercadolivreenergia #damkeconsultoria #energia

Compartilhe

Últimos artigos

Damke News

Fator Trump

Vamos refletir sobre o temor do fator “Trump” para a balança comercial brasileira. Nossa balança comercial Brasil x EUA é favorável para eles, enquanto a

Leia o artigo »

Saiba mais sobre a Damke

Cadastre-se e fique por dentro das próximas news

Aviso legal: os artigos disponibilizados nesta página e o conteúdo do Damke Cast não devem ser entendidos como recomendação para venda, retenção ou compra de qualquer ativo, título ou derivativo agrícola, tampouco como recomendação de investimento. Apenas deve ser considerado meramente como análise e opinião na data de sua publicação.